A CASA - Newsletter #25 - Ano 3 | Junho de 2010

Newsletter N°25

Junho de 2010

 

Editorial

 

A entrevista com o antropólogo Ricardo Gomes Lima é o destaque da edição 25 da newsletter. A interação entre design e artesanato, a comercialização da arte popular e as relações de poder dentro das comunidades de artesãos são alguns dos temas abordados de maneira clara, firme e provocativa. E não esqueça: estas são as últimas semanas para se inscrever no 2° Prêmio Objeto Brasileiro. Inscreva-se já!


Acontece no
museu A CASA

 

 

 

Cunha Gago, 807

 

 

 

 

NA CABEÇA, exposição de Silvia Lucchi


 

Baseada na coleção particular da designer Silvia Lucchi, a mostra apresenta chapéus em diferentes texturas, cores e materiais, desenvolvidos ao longo de mais de uma década de trabalho. De segunda a sexta, das 10h às 19h. Durante o mês de julho, também aos sábados, das 11h às 16h. Até 27/08. Saiba mais.

 

 

2° Prêmio Objeto Brasileiro

 

A segunda edição do Prêmio Objeto Brasileiro vai destacar e premiar o que houve melhor no encontro entre design e produção artesanal no país a partir de 2008. Poderão ser inscritos no Prêmio objetos já inseridos no mercado, protótipos ou desenhos, além de projetos de ação sócio-ambiental com foco na inclusão social e desenvolvimento sustentável. Os prêmios variam de R$ 1.500,00 a R$ 10.000,00. Inscrições até 12/07. Dúvidas e informações pelo telefone 11 3914 9711, e-mail ou pela nossa página no formspring. Confira o regulamento.

 

 

 

www.acasa.org.br

 

 

 

Formspring

 

Tire todas as suas dúvidas sobre o 2° Prêmio Objeto Brasileiro por meio do Formspring. É fácil e rápido. Experimente!

 

 

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Apoio

 

Entrevista - Ricardo Gomes Lima

 

 

"Tenho visto barbarismos sendo cometidos pelo país todo em nome do gosto, da estética, do bom design"


Ricardo Gomes Lima é doutor em antropologia e pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Iphan/MinC, onde coordena a Sala do Artista Popular e o PROMOART.

 


O que significa inserir o adjetivo "popular" ao lado de termos como "cultura" ou "arte"? Faz sentido diferenciar arte erudita e arte popular?
Durante muito tempo, pretendeu-se excluir coisas, separar nitidamente: isso é popular em oposição ao isso é erudito. E é sempre um esforço, a meu ver, fadado ao fracasso, porque a realidade se mostra muito mais penetrável pelas coisas do que separada assim em gavetinhas estanques. Tendo a pensar muito mais esse universo do popular como um campo de encontros, de mediações, de intersecções. Hoje em dia, tenho visitado comunidades altamente populares, pelo interior do Brasil todo, que já absorveram o design como uma característica da sua realidade. Muitos falam para mim: "A gente está chegando à conclusão de que o nosso artesanato não tem design". Isso é uma incorporação altamente nova e revela que a realidade não pode ser pensada em termos de "popular" e "erudito", separando esses mundos. "O meu artesanato não tem design". O que é isso? Essas exclusões não existem na realidade.

Como você enxerga as interações entre design e artesanato?
Eu e a instituição em que trabalho nos colocamos contra a atitude de ferir as comunidades de artesãos. Tenho visto barbarismos sendo cometidos pelo país todo em nome do gosto, da estética, do bom design. Ao mesmo tempo em que se fala que possuem um valor cultural extremo, transformam essas comunidades brasileiras em mera mão de obra da concepção do designer, que acha que tem a primazia do gosto, a primazia da forma, a primazia da estética. Eu vou me colocar sempre contra esse tipo de designer, mas isso não significa que eu seja contra o encontro do design com o artesanato. Eu sou contra interferência que fere princípios. Por exemplo, a comunidade quilombola de Muquém, em Alagoas, que produz uma cerâmica maravilhosa, uma expressão fortíssima, tem uma mulher chamada Irinéia, que modela umas cabeças de barro que te permite um estudo de penteados afro desde o Brasil escravocrata até hoje. Tenho o relato de uma pessoa que pede a intervenção de alguém para evitar o que estava acontecendo ali, que era a chegada de um designer que pede para que Irinéia execute figuras de Branca de Neve e anões para botar em jardim, dizendo que o mercado iria pagar muito bem por essas figuras. Isso é de uma violência cultural enorme e eu não posso me calar quando sei que há um caso desses acontecendo. É contra esse mau designer que eu venho brigando muito. Não sou contra o encontro do design com o artesanato, mas sou contra essa postura elitista, desavergonhada, de se lidar com as camadas populares, com todo o saber que essas comunidades têm. O designer é o representante da elite brasileira e, na história desse país, sempre coube à elite pensar e ao povo fazer. A gente vem se batendo contra a repetição desse modelo histórico, pois eu acredito que essas coisas são o patrimônio imaterial do país.

Você era um crítico ferrenho dos intermediários que faziam a comercialização do artesanato. Mais recentemente, fez uma espécie de mea culpa, reconhecendo a importância desses atores. Como enxerga isso hoje?
No meu primeiro discurso radicalmente contra, eu nem usava a categoria "intermediário", era "atravessador". "Atravessador" é aquele que atravessa um processo. Ele não está fazendo mediação, ao contrário, ele se coloca no meio, ele impede a mediação. Eu continuo contra o atravessador, mas consegui perceber que existe outra figura que é o mediador, que faz a mediação entre essas coisas. Hoje em dia, eu não sou contra o mediador, ao contrário, ele é uma figura da maior importância na cadeia da comercialização. Sou contra o atravessador, sou contra o indivíduo que comercializa o artesanato ou a arte popular e que, por exemplo, raspa a assinatura do indivíduo que fez aquela escultura, retira e assina outro nome no lugar para que ninguém descubra quem é que fez. E isso acontece no Brasil a rodo! Eu sou contra aquele indivíduo que paga R$500,00 pela tela de um artista popular e vende a R$10.000,00. Eu não acho que esse lucro seja justo. Por que? Porque ele está fazendo isso em cima de uma espoliação do outro. Eu acho que qualquer comerciante tem que ter seu lucro, senão ele não tem como sobreviver com o negócio dele. Mas muitos artistas brasileiros de uma importância extrema vivem, praticamente, em condições de indigência. Há pessoas como, por exemplo, Noemisa Batista, uma artista fenomenal de Caraí, Vale do Jequitinhonha. Quanta gente ganhou dinheiro e está ganhando dinheiro à custa da Noemisa? Vai lá visitá-la e veja as condições de quase indigência em que ela vive. Uma artista cujas peças são comercializadas nas lojas de arte e estão custando um absurdo vive naquelas condições?! Essa coisa no Brasil é muito perversa, tem que ter um basta. Vou gritar sempre contra isso. Por outro lado, qualquer pessoa que se coloca como mediador nessa cadeia produtiva pode ter certeza que eu vou estar de braço dado nesse trabalho, farei o que eu puder e não critico. Mas se aparecer um atravessador, procurarei me atravessar no caminho dele.

Normalmente, quando se tem um grupo mais fragilizado dentro da população, as relações de poder existentes dentro dele acabam passando despercebidas. Isso ocorre, por exemplo, entre comunidades de artesãos. Como você enxerga essa questão?

Quando a gente fala em uma comunidade produtora de artesanato ou a comunidade dos artesãos, a gente tende a pensar esse grupo como um grupo homogêneo, todos irmãos, todos irmanados. A própria concepção de comunidade traz isso. Quando você entra nesses grupos, percebe que isso não é verdade, que os grupos se constituem como grupos de pressão, de poder, indivíduos ou famílias etc. É assim em diversos lugares. É só essa visão de fora que pode pensar que a comunidade seja homogênea e irmanada. Na verdade, são grupos de interesse que brigam por fatias do mercado. Por isso a grande dificuldade de se implantar um modelo de associativismo junto a essas comunidades no Brasil. São raríssimas as experiências que eu conheço onde associações foram bem sucedidas, porque, antes de formar a associação, esses grupos se constituem como grupos de parentesco, de compadrio, de amizade, grupos de religião. Ou seja, esses grupos têm suas lutas, seus poderes, e isso está presente, porque é absorvido da sociedade como um todo.


Leia entrevista na íntegra

 

 

 

Matéria do MÊS

 

Sala do Artista Popular perde sua idealizadora

 

Faleceu, no último dia 27 de maio, aos 73 anos, Lelia Coelho Frota. Poeta, crítica de arte, museóloga e antropóloga, Lélia dedicou décadas de sua vida à promoção do artista popular brasileiro, enfatizando, principalmente, sua condição de autor.


Para o antropólogo Ricardo Gomes Lima, Lélia "era uma mulher fantástica, uma das grandes pensadoras desse universo da arte e da arte popular no país". De acordo com ele, costumava-se pensar o objeto popular como objeto folclórico, definido como anônimo e coletivo. "A Lélia parte de um pressuposto de que cada objeto tem um autor, tem uma marca autoral que deve estar explicitada. Cada objeto desses, além de ser uma 'alma do povo brasileiro', como se pensava e se queria, tinha o caráter também de ser a identidade de um grupo, e era importante que o público fosse informado sobre isso".


Com esta concepção, Lélia cria, em 1983, a Sala do Artista Popular, no Museu de Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro. A idéia fundamental era constituir um espaço de exposições e venda dos trabalhos de comunidades de artesãos e artistas populares, apresentando, junto com as obras, todo o contexto em que elas foram produzidas. De acordo com Ricardo Gomes Lima, tratava-se de mostrar "a relação entre aquilo que o artesão produzia e a sua vida, sua visão de mundo". Toda exposição é precedida de pesquisas de campo e documentação fotográfica, resultando na edição de um catálogo que informa o público sobre o objeto que ele está vendo. Ao todo, já foram realizadas mais de 150 exposições.


Além disso, a Sala do Artista Popular oferece a artesãos e artistas um canal permanente e direto de comercialização, seguindo um princípio de Lélia de que era sempre melhor comprar diretamente do produtor.


A trajetória de Lélia não se restringe à criação da Sala do Artista Popular. Ao longo de sua vida, Lélia ocupou o cargo de Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico a Artístico Nacional (IPHAN), foi Diretora do Instituto Nacional do Folclore, da Funarte e Diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Além disso, Lélia deixa como legado uma série de livros sobre o assunto que aprofundam e concretizam suas principais idéias em torno dessas questões.


 

A CASA indica

 

 

Designers Meet Artisans - A Practical Guide

 

 

Lançado em 2005 por UNESCO, Craft Revival Trust e Artesanías de Colombia S.A., a publicação apresenta estudos de caso de experiências envolvendo o encontro entre designers e artesãos na Índia e na Colômbia, e propõe formas para a realização de uma intervenção equilibrada. Mais interessante do que tomá-lo como um guia que estabelece as diretrizes para a condução de projetos dessa natureza, sua leitura é válida como importante elemento de discussão. Há versões virtuais na íntegra em Inglês, Francês e Espanhol. Confira um trecho em Espanhol em Boa Leitura. Saiba mais.

 

Carlos Motta - móveis de madeira reutilizada

 

Últimos dias para conferir a exposição Carlos Motta - móveis de madeira reutilizada. O designer, que começou a trabalhar no início dos anos 70 com madeiras trazidas pelo mar do litoral paulista, acredita que "não é preciso derrubar árvores para construir móveis". Na mostra, apresenta peças criadas a partir de madeira e ferro reutilizados, provenientes de demolições. De terça a domingo, das 10h às 18h. Museu da Casa Brasileira. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705. São Paulo-SP. Telefone: 11 3032 3727. Até 04/07. Saiba mais.

 

Pulseira ver a árvore no jardim do MCB

Quem visitar o MCB até 29/08 poderá conhecer também o projeto "Pulseira Ver a Árvore", instalado no jardim. Criação de Renata Mellão, o projeto envolve uma árvore em uma grande pulseira contendo lentes de aumento que permitem enxergar sua casca em amplas dimensões, proporcionando a contemplação da árvore em toda a sua riqueza de detalhes. Saiba mais.


 

Boa leitura

 

"La artesanía consta de una serie de procesos, por ello cuando contemplamos una artesanía, debemos tener en cuenta todos sus procesos. La intervención del diseño puede producirse en uno o más momentos, en un proceso o varios procesos. La intervención podría implicar diseñar nuevos productos, rediseñar productos existentes con cambios de forma, tamaño, color, adorno exterior, función y utilidad; explorar nuevos mercados y recuperar mercados desaparecidos aplicar técnicas tradicionales para encontrar nuevas oportunidades y retos, e introducir nuevos materiales, nuevos procesos, nuevas herramientas y tecnologías. La intervención en el diseño en una interfase entre la tradición y la modernidad que demanda armonizar la producción de la artesanía con las necesidades de la vida moderna. Puede desempeñar un rol en el desarrollo de actividades de capacitación de derechos civiles".

 

Encuentro entre Diseñadores y Artesanos - Guía Práctica


O texto em inglês, francês e espanhol pode ser acessado pelo site da UNESCO. A versão em inglês do livro está disponível para consulta na biblioteca do museu A CASA.


www.acasa.org.br R. Cunha Gago, 807 - Pinheiros - São Paulo - SP CEP 05421-001 - Tel. (+5511) 3814-9711 acasa@acasa.org.br
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