Editorial
Desde 1998, o 5 de novembro é o Dia Nacional do Design. Na newsletter deste mês, A CASA traz uma matéria com o perfil de Aloísio Magalhães, personagem-chave da história do design no Brasil e engajado nas lutas de promoção da cultura brasileira.
A favela está em alta na entrevista de Natacha Rena, coordenadora geral do projeto ASAS. Num sentido contrário às visões mais comuns que enxergam a favela como o lugar do medo, Natacha nos lembra que esse espaço tem diversas características positivas. Em tempos de operações como as que estamos assistindo no Rio de Janeiro, a entrevista é um antídoto contra preconceitos há muito enraizados.
E não esqueça: estes são os últimos dias para conferir a Exposição 2° Prêmio Objeto Brasileiro! Veja mais informações sobre a exposição em Acontece no museu A CASA.
Acontece
no
museu A CASA
Cunha
Gago, 807
Exposição 2° Prêmio Objeto Brasileiro

Últimas semanas! Exposição apresenta os objetos e projetos vencedores e os de maior destaque do 2° Prêmio Objeto Brasileiro. A variedade de peças e formas elaboradas a partir de uma grande diversidade de materiais e técnicas revela as enormes possibilidades do encontro entre design e produção artesanal no Brasil. De segunda a sexta, das 10h às 19h. Até 10/12. Saiba mais.
Louça morena do povoado de Poxica

A partir do dia 16 de dezembro, A CASA recebe peças de barro produzidas no povoado de Poxica, município de Itabaianinha, em Sergipe. A exposição faz parte do projeto Sala do Artista Popular, uma realização do PromoArt. Abertura dia 16/12, às 19h30. Visitação de segunda sexta, das 10h às 19h. Saiba mais.
Por conta das festas de fim de ano, A CASA estará fechada entre os dias 23/12/10 e 02/01/11, retomando as atividades no dia 03/01/11.
www.acasa.org.br
Coleção Monica Carvalho

Coleção apresenta objetos desenvolvidos por Monica Carvalho. Em seu trabalho, a designer acopla frutos, folhas e sementes a metais nobres como prata e cobre. Cadeiras, luminárias, esculturas, brincos, pulseiras, colares e bolsas compõem sua obra, que pretende sensibilizar as pessoas para um compromisso com a natureza. Veja aqui.
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Entrevista
- Natacha Rena
“A favela tem uma beleza que tem tudo a ver com as discussões do homem pós-moderno”
Natacha Rena é arquiteta, urbanista e designer, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP, professora da Universidade FUMEC e UFMG e Coordenadora Geral do projeto ASAS, 1° lugar na categoria ação sócio-ambiental do 2° Prêmio Objeto Brasileiro.
O projeto ASAS leva design e artesanato ao Aglomerado da Serra, um conjunto de vilas e favelas em Belo Horizonte. Qual a sua metodologia?
Tentamos estabelecer metodologias que façam com que, na hora da criação, eles foquem no território, na favela. Esta é uma metodologia muito comum em artesanato, fazer com que as pessoas olhem para o próprio lugar em que vivem e valorizem o seu entorno. Se você mora perto da cachoeira, de uma floresta, de uma cidade histórica com casinhas antigas, é muito fácil e muito romântico. Mas para a gente é um pouco complexo, porque a favela é um espaço de pessoas excluídas da sociedade. É complicado mostrar para eles que existe riqueza naquela cultura informal, porque isso envolve condições precárias de habitação e acesso, de violência, de exclusão. Em linhas gerais, trata-se de pensar a ação do designer enquanto profissional engajado, militante, mas dentro do sistema e não fora dele. Queremos sair nas boas revistas, queremos abrir um mercado amplo, queremos vender para quem tem dinheiro. Sabemos que o nosso público-alvo é um público “A” com certo complexo de culpa de ser rico e que, por isso, quer consumir o design socioambiental. Mas não querem um design socioambiental mal feito, mal acabado, querem qualidade, querem linguagem. Toda essa conversa é embasada em teorias e discussões que a gente leva para a favela, até o limite de chegar e falar para eles: “Gente, se vocês saírem da favela e comprarem uma casa na cidade formal, vocês não vão ser tão legais assim”. O mercado é perverso? A gente também!
Um dos méritos do projeto é conseguir criar uma estética bela a partir de uma realidade urbana extremamente problemática (“caótica”, “opressiva”, “suja”, “feia”). Como transformar essa realidade que à primeira vista não agrada aos olhos em produtos de grande qualidade estético-formal?
Em qualquer projeto de artesanato e design, quando você pede para o artesão desenhar, ele fala: “Eu não sei desenhar, não quero desenhar”. Eles têm medo da caneta e do lápis. Quando eles começam a tentar, fazem um desenho naïf, simples, esquisito, “errado”, um desenho que não é representativo, realista, figurativo – que é o que eles acham que é arte. Dissipar a idéia de que o desenho bom é um desenho figurativo é a primeira estratégia se você quer fazer com que eles consigam conciliar a “feiúra” do desenho deles e a “feiúra” da favela com as questões mais contemporâneas. Então mostramos diversos artistas contemporâneos que tem um desenho naïf ou precário, a idéia do ruído, enfim, toda essa discussão da arte contemporânea, do marginal, do inacabado, da bricolagem, do mal feito, mas um mal feito com qualidade. Insistimos que o importante é que o desenho seja forte e expressivo. Da mesma forma que a arte e o design contemporâneos não têm uma beleza clássica, a favela também não tem, mas tem uma beleza que tem tudo a ver com as discussões do homem pós-moderno.
O projeto ASAS jé tem três anos. Qual a importância do tempo no sucesso do projeto?
Eu, particularmente, acho que o tempo é fundamental. Vejo com muito maus olhos os projetos de imersão de uma semana, dez dias, vinte dias que seja. Se os produtos saem dali maravilhosos, é óbvio que a atuação do designer foi uma atuação violenta, de chegar e desenhar. Todo mundo sabe que isso gera uma relação de dependência com o designer e, mesmo assim, vários grupos que trabalham dessa forma continuam ganhando prêmios no Brasil. Por quê? Porque as pessoas olham muito o resultado – o catálogo, a tag maravilhosa, as fotografias, os produtos – e se esquecem de verificar o que eu acho mais importante: os indicadores reais lá na comunidade. O que aconteceu com a pessoa? O que aconteceu com as relações entre o grupo? O que aconteceu de empoderamento real? Não se pode buscar apenas o resultado agradável aos olhos.
O projeto aproxima pessoas de realidades sociais muito distintas. Como estabelecer uma relação justa e equilibrada nesse encontro quando o contexto social em que ele ocorre é sempre tão desigual? Como evitar que, em momentos de crise ou de desentendimentos as hierarquias existentes na sociedade não sejam reafirmadas com toda sua força?
Os artesãos têm índices de empoderamento evidentes, mas eles só vão se empoderar realmente no dia em que começarem a ganhar dinheiro de verdade. Atualmente, a gente tem o dinheiro da universidade, as bolsas, o contato com os lojistas. A gente só vai verificar que o projeto deu certo o dia em que elas dispensarem a gente, o dia em que falarem: “Está ótimo, tchau, agora a gente vai andar com as nossas próprias pernas”. Enquanto isso não acontecer, algumas relações de poder vão continuar estabelecidas. Eu não sou uma utópica de achar que o estudante, o professor universitário, doutor, vai chegar lá e não vai haver hierarquia. Há uma relação de respeito. Quando eu vou numa reunião, sempre evito sentar na cabeceira da mesa. Fico me vigiando o tempo todo, mas não adianta, eu tenho o poder, por exemplo, de delegar onde vai ser gasto os R$ 100 mil que ganhamos agora com esse prêmio da UniSol. É claro que vamos discutir de maneira desierarquizada, mas se houver algum impasse, quem vai decidir? Ou eu ou o Bruno Oliveira, que é meu parceiro e me ajuda a coordenar. A gente tenta desierarquizar ao máximo, mas a hierarquia sempre vai existir até que elas se tornem totalmente autônomas.
Em geral, projetos sociais realizados no interior de favelas precisam lidar com o tráfico de drogas, estabelecendo, por vezes, uma relação cordial. Como vocês contornam este problema?
No começo, a gente tinha a utopia e a ingenuidade de quem começa a trabalhar com projeto social de que íamos transformar toda uma realidade. Hoje, está muito claro para nós que a favela é enorme, nunca iremos conseguir capacitar todos os jovens e nem atuar de uma forma tão geral que faça com que as pessoas deixem de entrar para o tráfico de drogas. O tráfico de drogas é um problema de Estado, de polícia, de política pública, não é um problema do designer. O que a gente pode fazer é oferecer oportunidade para quem não quer entrar para o tráfico de drogas. Isso é uma coisa. Mas falar para traficante: “Olha, sinto muito, mas agora os seus homens vão trabalhar com a gente”. É claro que não! O traficante está lá com a equipe dele e a gente está aqui com a nossa. E não temos o menor problema. Vou dar um exemplo: outro dia sumiu um computador do Aglomerado. De dia, um menino que estava meio doidão foi lá e a Schirley, que é artesã, botou ele para correr. Ele foi embora e, de noite, esse computador sumiu. O que elas fizeram? Contataram os caras e falaram: “Olha, o nosso computador sumiu, tá?”. Quem é que vai procurar o computador do ASAS/Aglomeradas dentro da favela da Serra? A polícia militar? Não vai! Eles não conseguem pegar o ladrão... Quem faz a gestão da segurança na favela no nosso cotidiano é o próprio traficante. Eu não conheço nenhum deles, mas tenho certeza que eles conhecem a nossa equipe. Além disso, esses traficantes são sobrinhos, irmãos, tios, parentes, primos das próprias artesãs e de outras pessoas de bem da comunidade. Não é uma “outra coisa”, uma “outra entidade”, faz parte do cotidiano da favela.
Leia
entrevista na íntegra
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Matéria do MÊS
Aloísio Magalhães e os bens culturais do Brasil
No último dia 5 de novembro, foi comemorado o Dia Nacional do Design. A data escolhida é uma homenagem ao aniversário de Aloísio Magalhães. Bacharel em direito, pintor, designer, gravador, cenógrafo, figurinista, homem público, é difícil encontrar um único termo que dê conta de toda sua atuação, seja no campo profissional seja na cena política brasileira.
Aloísio Magalhães nasceu em Recife, em 1927. Ainda jovem, participou do Teatro do Estudante de Pernambuco - TEP como cenógrafo e figurinista. Após alguns anos vivendo em Paris e nos Estados Unidos, volta ao Brasil e passa a desenvolver atividades que o iriam consagrar como pioneiro e um dos mais importantes designers gráficos do país. Até hoje, suas ilustrações estão presentes na memória do brasileiro, como os símbolos do 4° Centenário do Rio de Janeiro, da Fundação Bienal de São Paulo, da Petrobras, do Unibanco, da Light e as notas do Cruzeiro Novo.
Aloísio também teve uma atuação de destaque na cena cultural do país. Em 1963, participa da criação da primeira escola de design do Brasil, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI). Mais tarde, assume a direção de diversos órgãos públicos, como o Centro Nacional de Referência Cultural, que ajudou a fundar, o IPHAN e a Secretaria de Cultura do Governo Federal.
A construção de uma identidade e memória nacionais sempre esteve em seu foco de ação. Tendo vivido a época do grande impulso à industrialização brasileira, tratou de pensar em formas para promover as manifestações culturais populares num contexto de homogeneização. Aloísio acreditava que o avanço econômico do Brasil não deveria ocorrer sem a valorização da própria cultura nacional. "Será que a nação brasileira pretende desenvolver-se no sentido de tornar-se uma nação rica, uma nação forte, poderosa, mas uma nação sem caráter?", perguntava ele.
Aloísio defendia a ampliação do conceito de bem cultural para além dos conceitos vigentes até então, isto é, os bens móveis ou imóveis impregnados de valor histórico ou bens de criação individual espontânea, que compunham o acervo artístico do país. De acordo com ele, "permeando essas duas categorias, existe uma vasta gama de bens - procedentes, sobretudo, do fazer popular - que por estarem inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são considerados na formulação das políticas econômica e tecnológica. No entanto, é a partir deles que se afere o potencial, se reconhece a vocação e se descobrem os valores mais autênticos de uma nacionalidade".
Nesse sentido, conhecer o Brasil era uma necessidade urgente. Em novembro de 1980, durante um debate na semana de arte e ensino, argumentou: "É como se o Brasil fosse um espaço imenso, muito rico, e um tapete velho, roçado, um tapete europeu cheio de bolor e poeira tentasse cobrir e abafar esse espaço. É preciso levantar esse tapete, tentar entender o que se passa por baixo".
Em 1982, Aloísio viaja para Veneza como representante brasileiro na reunião de Ministros da Cultura dos Países Latinos. Subitamente, sofre duas hemorragias cerebrais e não resiste. Morre prematuramente no dia 13 de junho 1982, aos 54 anos, em plena atividade.
Mas se o tempo em que exerceu atividades à frente de órgãos públicos foi relativamente curto, suas idéias permaneceram. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, que versam sobre cultura, trazem a sua marca de maneira muito clara. Atualmente, muito do que se discute hoje em política cultural tem sua origem nas idéias de Aloísio Magalhães, que reuniam o pioneirismo e a versatilidade de sua própria trajetória.
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