Editorial
Nesta edição, nossa Matéria do Mês aborda novas possibilidades de comercialização de artesanato, a partir das experiências de dois negócios sociais nascidos no final dos anos 2000: a Tekoha, em São Paulo, e a Asta, em Ramos, no Rio de Janeiro.
Na seção Entrevista, conversamos com Fabio Scrugli, Duda Mendonça e Gilberto Duque da Silva - um dos coordenadores e dois artesãos do Artesanato Sustentável do Amazonas, projeto do qual participou também Renato Imbroisi. Uma iniciativa da empresa estatal de turismo, a Amazonastur, com o objetivo de fortalecer e promover o artesanato amazonense em consonância com a atividade turística da região, o projeto é desenvolvido há dois anos com comunidades ribeirinhas, indígenas e urbanas de 7 cidades amazonenses - Manaus, Parintins, São Gabriel da Cachoeira, Novo Airão, Tefé, Iranduba e Barreirinha. Na ocasião da entrevista, Fabio, Duda e Gilberto estavam participando da feira Brite - Brazilian International Tourism Exchange, no Rio de Janeiro, onde apresentaram parte dos 200 produtos sustentáveis da coleção criada durante o programa. Entre a viagem e os atendimentos aos clientes da feira, conversaram conosco sobre a experiência do projeto e as perspectivas de continuidade das ações realizadas.
Na seção Boa Leitura, trazemos um texto de Adélia Borges que traça um pequeno panorama da produção artesanal em associação ao design no Brasil. O texto foi apresentado na última edição dos Seminários Internacionais Museu Vale, que reuniu profissionais de diferentes áreas para discutir a relação do homem com o fazer manual. No site do Seminário, além desde, há também textos dos demais palestrantes, como Jum Nakao, Mana Bernardes, Paulo Mendes da Rocha e Ivaldo Bertazzo.
Acontece
no
museu A CASA
Cunha
Gago, 807
Exposição "Joia Contemporânea Brasileira"

A mostra reúne 36 trabalhos que enfatizam o papel da joia como objeto de arte e sua relação com o corpo humano. A curadora Miriam Korolkovas buscou evidenciar ainda o uso de materiais alternativos, não usualmente considerados nobres dentro da joalheria, como sementes, látex, lã, brinquedos, PET, papel craft e jornal. As obras são de artistas de diversas regiões do país, entre designers de joias, cooperativas de artesãos e comunidades indígenas: Aglaíze Damasceno, Alice Ursini, André Lasmar, Audrey Girotto, Bettina Terepins, Carolina Pedroso, Cooperativa Lã Pura, Gabriela De Rolt, Hena Lee, Krahôs, Mana Bernardes e Mirla Fernandes. Visitação até 3 de junho, de segunda a sexta das 10h às 19h. Entrada franca. Saiba mais.
Mesa redonda – Joia Contemporânea Brasileira

O encontro visa discutir a produção contemporânea de joalheria no Brasil. Com mediação de Miriam Mirna Korolkovas e a presença dos palestrantes León Kossovitch, professor FFLCH/USP, crítico de arte e escritor; Luise Weiss, professora da Unicamp, artista plástica e pesquisadora; Monica Moura, professora do curso de Design da Unesp, designer e pesquisadora; e Suzana Avelar, professora do curso de Moda e Têxtil da EACHUSP, pesquisadora e escritora. Dia 14 de maio, sábado, das 16h às 18h. Grátis. Vagas limitadas.Saiba mais.
www.acasa.org.br
Fotos e Vídeos da exposição Joia Contemporânea Brasileira

Já está disponível no nosso um conteúdo multimídia da exposição Joia Contemporânea Brasileira: fotos das obras, um vídeo com flashes da abertura e da intervenção musical e corporal realizada no dia, além do vídeo que está na exposição, contendo imagens das joias expostas em uso, de cada um dos artistas e de outras peças produzidas por eles que não estão expostas. Assista também a uma entrevista da curadora Miriam Korolkovas à jornalista Mona Dorf, na qual percorrem a exposição comentando sobre cada peça, seus materiais e usos possíveis. Veja aqui.
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Entrevista
- Fabio Scrugli, Duda Mendonça e Gilberto Duque da Silva
"O grande problema do Amazonas é a logística. Acontece de uma tribo indígena vender o produto para um atravessador
a 6 reais e o este vende em Manaus por 50. Buscamos eliminar a figura do atravessador para fortalecer o comércio justo."
Fabio Scrugli é coordenador do projeto Artesanato Sustentável do Amazonas. Duda Mendonça e Gilberto Duque da Silva
são artesãos que participam do projeto.
Como surgiu o projeto Artesanato Sustentável do Amazonas?
A Amazonastur é a empresa de turismo do governo do estado do Amazonas. Obviamente, como o setor turístico desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento sócio-econômico da região, a Amazonastur percebeu que o artesanato poderia ser um agente produtivo propulsor, poderoso instrumento de aceleração de desenvolvimento. (...)
Nós estamos trabalhando já há uns dois anos. Tivemos obviamente uma primeira fase de diagnóstico, para depois montar um plano de trabalho e as ações propriamente ditas. O projeto tinha uma série de necessidades, não se limitava somente a uma "qualificação" do artesanato em si. Era mais um trabalho de abrangência com o artesão, de formação de lideranças. Tivemos uma série de oficinas de turismo, sustentabilidade, educação ambiental, empreendedorismo, associativismo, comercialização...
Dentro do projeto, vocês já estão nessa fase das feiras, certo? Como estão sendo essas experiências?
O projeto compreende três grandes etapas: uma primeira etapa de qualificação, da qual já falamos; uma etapa de comunicação, com a criação de uma logomarca, uma série de produtos de imagem coordenados, etiquetas de origem, folder, sacolas, tudo em material reciclado, obviamente, e um vídeo que acompanha o projeto, que está em fase de finalização; e uma terceira fase que é a promoção em feiras. Temos previstas três feiras nacionais e duas internacionais. Mas já recebemos muitos convites para fazer outras feiras, já estamos avaliando como é que vai ser isso no futuro. (...)
A cada feira, convido dois artesãos para participar, para viver essa experiência da feira, absorver esse conceito de comércio justo. Um dos objetivos do projeto é evitar atravessadores. O grande problema do Amazonas é a logística, obviamente. Então acontece de uma tribo indígena que faz artesanato vender o produto para um atravessador a 6 reais e o atravessador vende em Manaus por 50. Então buscamos eliminar essa figura de atravessador, intermediário, para assim para fortalecer esse comércio justo, que acontece diretamente entre artesãos e clientes. Nas feiras, os artesãos são os próprios vendedores. E eles representam todos os municípios.
Em termos estéticos e de materiais, é possível dar um panorama da produção que vocês encontraram?
O artesanato amazonense é um artesanato riquíssimo, porque a biodiversidade é incrível, existem infinitas possibilidades. Tem trabalho com madeira, semente, fibras, borracha, com várias matérias primas. Quanto à estética, isso depende também do lugar. Por exemplo, em Parintins, que é um lugar de festa, a força da festa permeia o trabalho de todos os artesãos. Em São Gabriel da Cachoeira, a maioria do território é indígena. Então lá o artesanato é mais tradicional, é um artesanato que vem de séculos, de pai para filho, de família, tem muito a ver com as culturas indígenas, de produzir para o uso próprio e eventualmente usar também essa produção como moeda de troca. Conseguimos desenvolver produtos que retomam, por exemplo, a técnica do samburá, que é um tipo de rodelinha que eles costuram com fibra de tucumã.
Normalmente o turismo leva os artesãos a deixarem sua produção e assumirem outras ocupações que acabam sendo mais rentáveis, em pousadas, por exemplo. Você comentou de Parintins, onde a relação é totalmente oposta, o turismo impulsiona o trabalho artesanal. Esse projeto como um todo visa a essa aproximação, certo?
Sim. Em Parintins, quando está chegando o festival, há os artesãos que estão trabalhando na confecção dos carros, das alegorias. Os outros ficam produzindo em quantidade industrial para satisfazer a demanda dos turistas. O turismo nesse caso não tira o artesão da sua própria atividade, mas a estimula ainda mais. E todo esse projeto da Amazonastur é visando obviamente a Copa do Mundo, porque Manaus vai ser sede da Copa. O que a Amazonastur queria, basicamente, era tentar encontrar uma identidade do artesanato do Amazonas. Então buscou, primeiro, trabalhar essa pesquisa de identidade e, segundo, formatar produtos artesanais para atender uma demanda turística que vai chegar com grande força na hora da Copa. E satisfazer um turista que talvez possa ser mais exigente, que busca um produto mais qualificado. Por isso agregar valor ao produto artesanal através do design.
Depoimento do artesão Duda Gonçalves, de São Gabriel da Cachoeira
Já trabalhava com artesanato desde os 14 anos. Morava no interior, em São Gabriel. Cheguei na cidade para estudar e, como não tinha trabalho aqui, tive que aprender artesanato para poder sobreviver com isso. Comecei fazendo peneiras, como as que meu pai e meu avô faziam para uso pessoal. (...) Entrei então no projeto [Artesanato Sustentável do Amazonas], aprendi a fazer outros tipos de tramas e tingimentos, e fui melhorando meu trabalho. Eu pensava que tinha que inventar coisas diferentes para chamar a atenção para os produtos. Queríamos também vender em outros lugares, em lote. Porque, vendendo sempre no mesmo lugar, na minha cidade, tínhamos concorrência de outros artesãos. A partir do que aprendi no projeto, mudei muito a minha produção, em desenho e acabamento. Antes fazia só peneiras, agora faço colares, brincos e hoje uso materiais diferentes no mesmo produto, o que antes eu não fazia. Pretendo continuar me aprimorando. Vou continuar trabalhando com artesanato, porque faço o que gosto. E, mesmo que não gostasse acho que nunca ia sair disso, porque onde moro é difícil achar emprego com outra coisa. Trabalhamos apenas eu e minha família. Mas tento juntar pessoas para me ajudar, melhorar o produto e conseguir produzir cada vez mais.
Depoimento do artesão Gilberto Duque da Silva, de Parintins
Desde os 14 trabalho com artesanato. Trabalho com minha esposa, que tem talento para criar coisas em miniatura. Crio e pinto os desenhos, que é meu forte, e minha esposa executa o trabalho. Com o projeto, ganhamos capacitação na questão de venda, de colocar preços justos nos produtos. Não sabíamos que estávamos praticamente presenteando alguém com o preço que cobrávamos. Essa experiência das feiras também está sendo muito positiva, pela oportunidade de sair do local onde moramos e ter contato com pessoas que admiram arte, além do reconhecimento que temos ao nosso trabalho. E, também pela parte de ganho em capital, que eu seria desonesto se não falasse. Tudo isso nos é favorável.
Leia
entrevista na íntegra
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Matéria do MÊS
As redes como novas formas de comercialização para o artesanato

Redes de comercialização pautadas pela transparência nos custos, divisão do percentual entre a empresa e os artesãos, e com um objetivo de gerar ganho para comunidades de baixa renda. Foi com este perfil que, em meados dos anos 2007 e 2008, surgiram a Tekoha, em São Paulo, e a Rede Asta, em Ramos, no Rio de Janeiro, dois exemplos de novos sistemas através dos quais o artesanato pode ser comercializado.
Idealizada há quatro anos por Rachel Schettino e Alice Freitas, a Asta foi a primeira rede de venda direta de artesanato no país. A rede possui um grupo de revendedoras - chamadas "conselheiras" - que, munidas de um catálogo de produtos, fazem venda domiciliar. Cada revendedora recebe um kit contendo, além do catálogo, um vídeo com informações sobre os produtos, que funciona como um pequeno treinamento.
"Até então não existia no país essa modalidade de venda por catálogo porta a porta. Isso tem uma capilaridade enorme, você pode vender no Brasil inteiro sem precisar de condições financeiras para ter várias lojas pelo país. Além de esse sistema ter o grande diferencial de que as vendedoras sabem contar a história do produto, elas vendem um conceito", conta Rachel Schettino.
A rede de revendedoras começou entre as amigas de Rachel e Alice, e com alguns poucos grupos de artesãos. Logo o boca-a-boca e depois a visibilidade através da imprensa fizeram a coisa crescer. Atualmente, a rede conta com mais de 600 conselheiras e 600 artesãos, organizados em cerca de 30 grupos produtores em todo o estado do Rio de Janeiro.
No início, Rachel e Alice fizeram uma pesquisa de campo em diversas comunidades em busca de artesãos com quem trabalhar. Rachel conta que, então, a grande parte da produção era vendida dentro das próprias comunidades e alguns dos grupos estavam quase desaparecendo por falta de compradores. Após a integração à rede e a intervenção de um designer que ajudou a melhorar os produtos, os grupos não só conseguiram se manter como também cresceram e se organizaram. Hoje já há uma lista de espera de artesãos que procuram pela Asta para se associarem.
Rachel explica que há certos critérios para entrar na Asta: não ser um artesão sozinho, ser de baixa renda, ter produtos com potencial de mercado e ter uma capacidade produtiva de 300 peças por mês.
Isso, para atender a demanda das encomendas, cujo prazo de entrega é de até 15 dias, e a renovação dos catálogos, que têm lançamento trimestral com cerca de 40% de novos produtos a cada edição.
Além da venda domiciliar feita pelas conselheiras, a Asta atende ainda a um mercado de brindes corporativos, com clientes como a rede de postos Ipiranga e o portal IG, e comercializa produtos também pela internet e através de um showroom em sua sede.
O valor do produto é divido percentualmente entre artesãos (50% do valor), revendedoras (22%) e a organização (28%). Sem fins lucrativos, o percentual que vai para a organização é apenas o suficiente para mantê-la administrativamente.
Segundo Rachel, para que haja produção, há todo um trabalho social por trás. "Fazemos treinamento em contabilidade e precificação, temos microcrédito para os artesãos com capital de giro. Muitos grupos associados só existem porque damos essa assistência a eles. E o objetivo não é que os artesãos vendam só pra Asta, eles podem também usar nosso catálogo em outras frentes de comercialização. O que acontece é que muitos mercados não compram dos artesãos porque acham que não entregam no prazo, com qualidade. Estar no catálogo da Asta é uma forma de dar essa certificação", conclui.
A rede paulistana Tekoha também foi um dos primeiros negócios sociais do Brasil. Foi criada em 2007, após uma viagem ao Amazonas feita por um dos sócios, Henrique Bussacos, quando percebeu a dificuldade de muitas comunidades de artesãos em comercializar seus produtos.
Começaram com uma loja virtual e 5 grupos de artesãos. Investiram em diversas formas de organização, passando até por um estande de shopping, até encontrarem o modelo atual. Hoje, possuem a loja virtual, uma sede no Café Ekoa, na Vila Madalena, em São Paulo, atendem majoritariamente a encomendas de brindes corporativos, investem em exportação e desde o ano passado assumiram também o setor comercial da ArteSol e da Mundaréu. Com isso, reúnem mais de 130 comunidades em 14 estados brasileiros, totalizando cerca de 1500 pessoas trabalhando diretamente com a empresa.
De início, buscaram grupos que já tivessem apoio local, como Sebrae, ONGs e associações locais. Atualmente têm como critérios não trabalhar com artesãos individuais nem grupos em formação. Andressa Trivelli, uma das sócias, explica que os grupos têm que ter produto pronto, preço e capital de produção, e o produto tem que ser considerado vendável. "Há uma tendência de o produto artesanal ser caro. Não adianta ser um produto lindo, com preço justo, mas que não vende pelo preço que tem. Porque, se tiver algo parecido industrializado que custe menos, não vai vender. Por isso também temos um trabalho com a ArteSol e a Mundaréu no sentido de tentar viabilizar as produções a custos mais baixos".
Em média, 50% a 70% do valor do produto vai para a comunidade, 30% para a Tekoha e 20% em transporte e imposto. A estrutura de precificação é transparente, caso os clientes queiram ter acesso.
O negócio alcançou seu o ponto de equilíbrio e conseguir gerar lucro apenas no ano passado. O faturamento vem dobrando todos os anos, e a meta até 2014 é chegar a 3 milhões de reais. Andressa explica: "A Tekoha desde sempre é negócio com impacto social. Não temos fins lucrativos, mas temos meios lucrativos. O negócio só se sustenta no momento em que ele se paga. E, quanto mais crescermos, mais impacto conseguimos gerar".
Segundo ela, a existência da Tekoha é necessária enquanto os grupos não conseguem conversar diretamente com o mercado. "Utopicamente, quando eles consigam fazer essa negociação direta, a Tekoha deixaria de existir enquanto comercializadora e passaria a prestar serviço para comunidade, não para o comprador, investindo em buscar outras formas de gerar renda para aquele grupo além do artesanato", conclui.
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