Heloísa Crocco (1949 cheap
jordans, Porto Alegre) é um dos principais nomes da junção design e artesanato no país. Não só pela longevidade louis vuitton
outlet de seu trabalho na área - foi uma das primeiras designers a incursionar no artesanato, em 1993 -, mas especialmente pela consistência e coerência de sua trajetória.
Decisivos em sua formação foram os cursos de criatividade com o inglês Tom Hudson e de tapeçaria com Zorávia Betiol e Elizabeth Rosenfeld. A última, uma imigrante alemã radicada em Gramado, RS, foi uma influência decisiva ao desenvolver o gosto de Heloísa pelo artesanato. Chegou a morar seis meses na casa de Elizabeth, onde descobriu os segredos dos teares e da marcenaria.
O início no design
O trabalho como designer começou em 1976. Participou do desenvolvimento da coleção da Tactile para a grife de moda Clô Orosco e fez a linha de móbiles Activ para a então nascente Tok & Stok, em conjunto com outro gaúcho, Antonio Aiello. A atuação no design começou a tomar um rumo bem particular e próprio em 1986, quando entrou pela primeira vez na floresta amazônica.
O “guia” não poderia ter sido melhor: era o seu amigo arquiteto e designer José Zanine Caldas. Heloísa ficou fascinada com as árvores e com o enorme potencial da madeira, este material tão caracteristicamente brasileiro. Mas haveria de encontrar um jeito diferente de trabalhá-la, diversa do uso que Zanine, por exemplo, fazia, em suas casas fantásticas e nos móveis-denúncia da destruição da floresta.
O caminho se delineou quando, ao acaso, viu o tronco serrado de uma árvore. O ponto de vista era diferente do usual, já que geralmente a madeira é cortada em lâminas. Mudado o ponto-de-vista, mudou também o que viu: Heloísa se encantou com os veios e com a riqueza insuspeitada que encontrou no cerne da madeira
Projeto Topomorfose
Ao serrar o tronco, explorando o corte em topo, percebeu que dava para explorar os veios com diferentes tipos de cortes da madeira e diferentes composições dos pedaços cortados . Constatou ainda que passar um jato de areia na madeira iria corroer a sua parte mole (que se forma no verão, até porque nessa estação ela cresce mais rapidamente, então fica mais macia), criando um contraste maior com a parte dura (que se forma no inverno, quando toda a natureza dorme).
Em dois anos de pesquisa visual, ampliou a possibilidade de combinações de veios e selecionou mais de 200 padrões de árvores nativas da mata brasileira. O grafismo resultante das diferentes combinações dos veios surpreendentemente remete à arte indígena e popular ou aos princípios do construtivismo. A pesquisa resultou no Projeto Topomorfose, ou o ato de dar forma (morfose) ao cume (topo) da madeira.
Até então, ela não sabia o que fazer com toda essa investigação. Numa visita à Inglaterra, teve um clique ao entrar numa loja da Laura Ashley, que fez das flores o seu mote – estampado nos tecidos das roupas, nas louças, nos papéis de parede, em todo e qualquer detalhe. Decidiu fazer o mesmo com o topo da madeira, usando-o como matriz visual para uma série de aplicações e produtos.
Desenhos de superfícies com as matrizes foram aplicados numa linha de papelaria para a rede gaúcha Personal Paper, em tecidos para a Arte Nativa Aplicada , em roupas de cama para a Tok & Stok, em louças variadas para a Vista Alegre, em tecidos de jogos de mesa para a Marcks ou ainda em xícaras e panelas de ágata da mesma Tok & Stok. Em todas essas aplicações , as cores sempre foram em tons de terra, dos crus aos beges, avermelhados e marrons. Além disso, placas das madeiras coladas passaram a ser usadas como revestimentos, forros ou na composição de móveis, tampos de mesa, tábuas de queijo e objetos produzidos pela empresa gaúcha Incasa.
O projeto Topomorfose recebeu o primeiro lugar na categoria materiais de acabamento de moradia do 8º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira e foi tema de uma exposição individual em Osaka, Japão, em 1990. “Se em vez da madeira eu tivesse me apaixonado pelas borboletas naquela viagem à Amazônia, eu também teria tido um universo visual enorme para trabalhar. Imagine só o mundo presente nas asas de uma borboleta. Ou nas bromélias, nas penas de um pássaro ou até mesmo num gafanhoto”, brinca ela, para lembrar que o básico em seu trabalho é essa idéia de escolher um tema, e a partir daí desdobrá-lo em suas infinitas possibilidades.
Artesanato em pedra-sabão
Esse procedimento que Heloísa Crocco desenvolveu em seu trabalho pessoal como designer ela decidiu levar também às comunidades artesanais com as quais trabalhou. A primeira experiência, talvez pioneira no Brasil, se deu em 1993, quando foi convidada pelo artista plástico José Alberto Nemer para dirigir a oficina Design e Artesanato na Produção do Objeto no 25º Festival de Inverno de Ouro Preto.
O primeiro passo foi levar os participantes a observar o que se fazia no artesanato de pedra-sabão naquele momento. O que constataram era uma pobreza formal de fazer dó: por lá tinha até pirâmide, buda e motivos astecas, mas não tinha nada a ver com a região. Ao mesmo tempo, apuraram o olhar e constataram a imensa riqueza da paisagem urbana de Ouro Preto, expressa nas fontes, nos detalhes arquitetônicos . Um elemento bastante presente eram as espirais ou as volutas de Aleijadinho. Escolheram essas espirais como idéia matricial – por sugestão de Nemer - e passaram a exercitar o seu uso em diferentes tipos de produtos. Um artesão usou essas formas para fazer um peso de papel, outro que trabalhava com fundições fez um chaveiro, outro elaborou um aparador de livros. Daí para as saboneteiras, as fruteiras e um sem número de objetos, foi um passo.
No Festival de Inverno do ano seguinte, Heloísa de novo dirigiu a Oficina Design e Artesanato na Produção do Objeto, e daí saiu um projeto que ela coordenou, com o patrocínio da Tok & Stok. Consciente da necessidade de ter pessoas que conhecessem bem a realidade que se estava trabalhando, ela fez questão de convidar os designers mineiros Porfírio Valadares e Máximo Soalheiro para participar do projeto e de envolver a universidade local em sua concepção e gestão. Outra decisão foi fazer todo um trabalho de design gráfico adequado para a valorização do produto. A elaboração da marca, da embalagem e dos catálogos dos produtos foi confiada ao designer mineiro Marcelo Drummond.
Mão Gaúcha
O mesmo procedimento de pesquisa da identidade local foi adotado no Mão Gaúcha, amplo programa de revitalização do artesanato iniciado pelo Sebrae do Rio Grande do Sul em 1997 e lançado em 1999. Heloísa foi encarregada da área de inovação do projeto e explica que a matriz da primeira coleção partiu da iconografia das ruínas das missões jesuíticas no interior do Estado. Desenhos, texturas e cores encontrados em ruínas da arquitetura e cacos de cerâmicas foram pesquisados exaustivamente, sob a orientação de um antropólogo. Detalhes do grafismo dos índios guaranis, que foram catequizados pelos jesuítas, foram transpostos de cacos de cerâmicas e repassados para o suporte têxtil , para a papelaria ou aplicados na cerâmica , sempre com a intenção de repassar para uma forma contemporânea.
O programa envolveu quatro matérias-primas. Na região de Bagé, o foco foi a lã em seus múltiplos processos - esquila, lavagem, carda, fiação e elaboração das mantas e roupas. Na região da serra gaúcha, em cidades como Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Garibaldi, concentrou-se a atenção nas fibras vegetais , especialmente a palha de trigo, trançadas segundo técnicas tradicionais dos imigrantes italianos. O couro e a cerâmica, materiais com expressivo significado econômico no sul, foram trabalhados em várias cidades.
“Uma preocupação foi formar coleções, fazer com que tudo combine com tudo - a cesta com o bloco, com a cor do pote, com a almofada, com o tapete”, diz Heloísa, certa de que esse procedimento, até agora prerrogativa da indústria, aumenta as condições de venda. Nos workshops com os artesãos – para os quais Heloísa trouxe também outros designers, inclusive não gaúchos -, surgiram idéias como usar as técnicas já empregadas para a elaboração de acessórios para montaria, feitas em couro caprino e equino, em novas funções. Nasceu, assim, uma linha de puxadores de armários feita com o virtuosismo das pontas de arreio.
Grande atenção foi conferida à capacitação do artesão para a produção. Isso significou padronizar tamanhos e medidas, melhorar a qualidade de acabamento e adequar o produto às exigências atuais dos consumidores. A equipe do Sebrae incluiu, além dos designers, consultores especialistas em gestão, marketing, finanças e produção, o que possibilitou uma ação completa e integrada. Após estudos de ícones locais, um pião de autoria de Luís Fernando Veríssimo foi escolhido como símbolo do projeto, enquanto a marca foi desenvolvida por Marcelo Drummond. Todos os produtos têm etiquetas com o local de produção, material utilizado e nome do artesão. Displays de madeira foram projetados sob medida para exibir um mix dos produtos em hotéis e em locais de realização de eventos. O projeto também ganhou uma loja própria e três franqueadas.
Atuações no exterior
Heloísa Crocco é uma das raras designers brasileiras que é contratada com regularidade para trabalhos no exterior. Entre 1986 a 1995, uma vez por ano foi à Colômbia para dar um curso de design têxtil na Universidade de los Andes. O curso tratou justamente do procedimento de escolha de uma idéia matricial para o desenvolvimento de uma linha. Naquele país, ela desenvolveu uma coleção cuja base são as tramas e texturas da arte pré-colombiana.
Outra experiência internacional foi com o Manos del Uruguay, instituição que reúne artesãs da lã no Uruguai. “Me chamaram em 1997, quando o grupo estava perdendo mercado por causa da globalização. Coordenei o trabalho de um ano para encontrar uma referência de identidade local e desenvolver uma coleção. As matrizes iconográficas foram a flora e a fauna uruguais e ainda um baralho em couro feito pelos índios a partir de um jogo de cartas trazido pelos espanhóis”, conta ela.
Na avaliação de Heloísa, a Manos del Uruguay é um modelo há ser seguido. “Elas começaram com meia dúzia de mulheres na década de 1970 e hoje há 18 cooperativas com 800 mulheres trabalhando, e vendas em Nova York, Milão, Tóquio.”
Heloísa segue trabalhando tanto com comunidades artesanais como desenvolvendo seu próprio trabalho independente como designer. A cada ano o Projeto Topomorfose ganha novas aplicações. Quanto às artes plásticas, acabou enveredando por um sucedâneo do Topomorfose: ganhou de um amigo que fornece cercas de madeira para os Estados Unidos o refugo da produção, triângulos que ele corta das pontinhas de cada cerca, para chegar ao desenho preciso exigido pelo mercado norte-americano . Os retalhos que seriam jogados fora ou queimados passaram a ser usados por Heloísa para fazer painéis de parede . Expostos em galerias de arte, têm ganhado terreno e alguns foram instalados fora do Brasil . Eles têm rendido ainda transposições para outros suportes .
No que se refere aos programas de revitalização de artesanato, não há receitas fixas. Um exemplo é a intervenção em Rondônia, em 2001, para onde foi a convite dos empreendedores do Hotel Paakas Novas e do Sebrae. “O dono desse hotel de selva queria uma linha de produtos atraentes aos turistas. Quando cheguei lá, vi que não havia produtos sendo feitos pela população, então não adiantava introduzir design. Constatei que o que eles precisavam era de técnica”, conta. Decidiu então levar dois mestres artesãos do Rio Grande do Sul para conduzir oficinas de couro vegetal, material feito a partir de látex, e cipó titica, abundante na região. Entre os objetos criados nas oficinas estão aqueles que misturam fibras e sementes (de seringueira e açaí, por exemplo), e a coleção Natureza Brasil, que tem porta-guardanapos em fibras e sementes e louças com padrões estraídos da flora amazônica.
O que pode e o que não pode ser feito
Toda a sua vasta experiência com artesanato permite a Heloísa Crocco acumular uma reflexão sobre os programas de revitalização do artesanato. Sua grande preocupação é com a pasteurização dos artesanatos regionais, um perigo no momento em que técnicos urbanos chegam a comunidades muitas vezes distantes e que, mal ou bem, mantinham sua personalidade e suas características próprias. Se não houver um respeito à cultura local, o que vai acontecer nesse encontro é a pasteurização ou o reforço dos estereótipos. Só dá certo o trabalho do designer com o artesão se há, da parte do primeiro, respeito e humildade.
É o que ela chama de “síndrome do Corfix”, ao se referir à empresa que vende tinta para pintar tecidos e objetos e que dá cursos em todo o país para incentivar o trabalho manual – e portanto incrementar suas vendas -, mas sempre difundindo os mesmos motivos de pintura. Para resolver isso, é fundamental, considera Heloísa, que todo e qualquer programa tenha a participação de designers locais e ainda de estudantes da região, que possam dar prosseguimento ao trabalho iniciado pelos consultores, de forma que os artesãos possam ter uma assistência contínua e permanente.
O procedimento da designer em seu trabalho com as várias comunidades é sempre o mesmo: ela busca tirar o norte do projeto das condições locais, nunca impor ou levar pronto. Trata-se de eleger um referencial básico da identidade local e desenvolver o design a partir daí. É como se o passo mais importante fosse essa escolha, porque o resto - o desenho em si e suas diversas aplicações e possibilidades de uso em diferentes suportes e materiais - decorre dessa escolha primordial.
Writer: Adélia Borges