Vocês são presidente e vice-presidente do
IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas – órgão que foi fundado oficialmente em
1992, mas que atua na área de conservação ambiental desde 1978. De onde vem e
como surgiu a relação de vocês com essa área? O que é e como surgiu o IPÊ?
Claudio: Sou formado em administração
de empresas e, antigamente, atuava como executivo no Rio de Janeiro.
Entretanto, no final dos anos 70, resolvi que iria sair do escritório e me
dedicar a outra coisa. Decidi que não voltaria a trabalhar mais como executivo.
E a minha missão naquele momento era me envolver com a natureza brasileira. E, assim,
começa uma saga, uma luta de mudança – de uma mudança de opção que não é muito
fácil. E isso no começo teve muitas dificuldades, mas depois, felizmente, foi
evoluindo. E, com muita alegria, a Suzana acabou se envolvendo na história
também.
Suzana: Porém, no inicio, eu achei que
o Cláudio tinha ficado maluco. Quando ele falou que ia trabalhar com a conservação
da natureza, esse conceito praticamente nem existia. Era uma coisa muito
excêntrica. Assim, eu achei que não ia dar certo, etc. Mas, no final, ele
mostrou que estava realmente interessado nisso. Voltou para a universidade,
estudou biologia e, aí, a ele foi fazer mestrado e doutorado nos Estados Unidos
e, na hora que ele foi colher os dados para o doutorado, comecei a me envolver
com a educação ambiental.
Eu sou designer e
programadora visual de formação. Só comecei a trabalhar com educação ambiental
quando a gente foi morar no Pontal do Paranapanema, no interior do estado de
São Paulo, dentro do Parque Estadual do Morro do Diabo (Instituto Florestal de
São Paulo). E, aí, comecei a perceber que a minha vida tinha muito mais
significado trabalhando por uma causa. Não que eu não gostasse de design e de
programação visual; era uma profissão legal, que eu me envolvia, que eu me
realizava. Mas, trabalhar por uma causa vai além da gente, dá uma energia muito
forte. Dá um propósito de vida que trás muita força e muita vontade de levar
adiante as ideias de conservação.
Então, no momento que vocês saem do Rio de
Janeiro e vão para o interior de São Paulo, ocorre uma mudança significativa no
dia a dia e no trabalho que vocês desenvolviam.
Suzana: Sim. Houve uma grande mudança.
E também a gente tinha poucos recursos para fazer tudo isso na época. Era uma
coisa de coragem mesmo.
E o que eu acho
interessante é que o IPÊ nasce a partir de um grupo de estagiários e estudantes
que vieram para o Claudio (na parte mais de ecologia e ciência) e para o meu
lado (na área mais social). Então, houve um equilíbrio interessante aí. E
quando a gente começou a formar esse grupo de jovens que também queriam mudar o
mundo, interessados em sair da caixa e sair do padrão, a gente fundou o IPÊ –
com umas oito ou dez pessoas, no máximo.
Tudo isso quando vocês estavam no interior
de São Paulo?
Suzana: É. A gente começou a formar
esse grupo no Pontal do Paranapanema. Depois, fomos para os Estados Unidos para
finalizar os estudos. Mas, durante esse tempo, vários deles continuaram – até
para poder dar continuidade no trabalho que a gente tinha iniciado.
Cláudio: Porém, na verdade, o grupo foi
oficialmente formado quando o IPÊ nasceu, em 1992. Na época eu estava como
professor visitante na ESALQ, em
Piracicaba.
Atualmente, o IPÊ é a terceira maior ONG
ambiental do Brasil e possui um corpo de quase cem pessoas, aproximadamente, e uma
rede que atinge cerca de 10 mil pessoas, entre beneficiários e apoiadores. Além
disso, vocês atuam em cinco diferentes regiões do Brasil formulando projetos e
modelos para a conservação da biodiversidade. Tendo em vista que o IPÊ é um
projeto que surgiu inicialmente a partir do trabalho que vocês dois
desenvolveram em Paranapanema, como ocorreu essa expansão?
Claudio: Na época em que eu estava como
professor visitante na ESALQ, tive a ideia de criar um curso de mestrado lá. E,
aí, fiquei um ano e meio tentando realizar esse projeto. Eu adoro a ESALQ, mas
a burocracia na USP é muito grande. Então, depois desse período, pensei o
seguinte: “Quer saber, vou sair, porque aqui eu não vou conseguir fazer o que
pretendo”. A burocracia era grande e, consequentemente, o processo era muito
lento. E resolvemos, portanto, que tínhamos que criar uma instituição para repassar
os novos conhecimentos que adquirimos durante o tempo que ficamos nos Estados
Unidos. A ideia foi criar um instituto de pesquisa. E, assim, fundamos o IPÊ.
E, quando eu saí
da ESALQ, vários estudantes de graduação, que são esses oito ou dez que a
Suzana mencionou, falaram: “Onde vocês forem, nós vamos juntos. Nós vamos
trabalhar com vocês no instituto”. E, naquele momento, eu disse: “Mas eu não
sou patrão de ninguém. Todo mundo é sócio aqui. Nós vamos trabalhar juntos. E todos
tem que ajudar, tem que fazer pesquisa e aplicá-la, porque nós precisamos nos
desenvolver e captar recursos”. E, assim, nasceu um grupo que foi se expandindo
e hoje tem cerca de noventa pessoas. Mas todos são coparticipantes.
Suzana: É como se fosse uma cooperativa
de projetos interligados. E a expansão do IPÊ começa quando os nossos
participantes mais graduados, que chamamos de seniores, se interessam em levar
a semente para outro lugar. Foi assim que o IPÊ chegou há quase vinte anos na
Amazônia, por exemplo. No Pontal do Paranapanema a gente está há trinta anos. Em
Nazaré Paulista, desde 1996. Quando um sênior quer começar um trabalho num novo
local, nós sempre apoiamos. A Patrícia Médici, por exemplo, se mudou para o
Pantanal. Ela é uma pesquisadora que fez parte do início do IPÊ e sabe a
linguagem que a gente usa e como é que são os nossos valores. Assim, se torna
possível começar um novo projeto. Mas a demanda é enorme. Eu recebo pedidos
para começar um em Minas, em Angra dos Reis e outros locais. Infelizmente, a
gente não tem perna para fazer tudo o que gostaríamos de fazer.
E nós vamos para
os locais para promover uma conservação socioambiental. Trabalhamos muito com a
parte ambiental, mas temos um lado social também. Afinal, você não tem como não
lidar com as necessidades humanas. Precisamos do envolvimento das pessoas
locais para que elas se tornem aliadas da conservação.
E, seguindo essa
ideia do Claudio de elaborar um curso de mestrado, nós acabamos desenvolvendo
um braço muito forte na área da educação. É como se esse elemento pertencesse ao
DNA da instituição. Então, temos uma preocupação de passar os conhecimentos que
a gente já sabe, ou de trazer profissionais muito competentes para compartilhar
temas que são importantes na atualidade e que ninguém está ensinando. Assim, acho
que esse é um passo do IPÊ muito importante - e foi o que nos levou a
Piracicaba e a Nazaré Paulista. Em Nazaré temos uma escola, chamada ESCAS - Escola Superior de Conservação
Ambiental e Sustentabilidade. A ESCAS começou com cursos de curta duração, mas
agora também já temos o mestrado e o MBA.
Além dos projetos de pesquisa, o IPÊ tem
realizado uma série de cursos que abordam temas relacionados à Biologia,
Ecologia e manejo sustentável, por exemplo. E, com a construção da Escola
Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (ESCAS) e o MBA em Gestão
de Negócios Socioambientais, o IPÊ se tornou uma instituição pioneira no país
ao oferecer o seu próprio curso de mestrado. De modo geral, qual foi a
importância da criação e elaboração desses cursos? Como eles contribuem com as
ações desenvolvidas pelo IPÊ?
Claudio: A educação está na própria
estratégia institucional do IPÊ, porque nós criamos alguns modelos e queríamos repassá-los
para uma escala maior. Não dava para criar o IPÊ e expandi-lo para o Brasil
todo, mas dava para formar pessoas que servissem de sementes, espalhando ideias
pelo Brasil afora.
E, além disso, nós
queríamos ensinar coisas que as escolas tradicionalmente não ensinam. Coisas
mais aplicadas de como fazer e como resolver. Então, a nossa escola nasce com
essa ideia: formar líderes, ensinando as pessoas a como fazer e como realizar.
Mas, acima de tudo, com o ideal de ser como uma fonte de sementes, espalhando
pelo Brasil afora o Modelo IPÊ de Conservação Socioambiental.
Suzana: Essa é uma das angústias da
gente. O Brasil é um país megadiverso, mas grande parte das pessoas não dá o
devido valor a toda essa riqueza. Então, precisamos de uma massa de pessoas bem
formadas. E isso não está acontecendo. Eu admiro muito as universidades. Não
quero falar mal. Porém, em geral, os cursos são muito teóricos. Aí, fica um
ensino muito voltado à formação de acadêmicos. Precisamos de gente com
conhecimentos teóricos, mas que possuam experiência prática para colocar a mão
na massa e implementar ideias inovadoras que visem resolver problemas reais.
Quando vocês fundaram a ESCAS?
Suzana: Em 1996 nós fundamos a escola de
cursos de curta duração e em 2005 o mestrado.
Claudio: Todo esse processo foi uma
sucessão. Não podíamos fazer mestrado no início porque não tínhamos doutores
suficientes para conseguir a autorização necessária. Então, começamos fazendo
cursos que aconteciam durante o fim de semana ou de segunda a sexta. E a partir
desses cursos livres, quando a gente alcançou o número de doutores suficiente,
pedimos autorização ao Ministério da Educação e conseguimos aprovação para
oferecer o mestrado. Posteriormente, fizemos uma associação com um grupo da CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e
Administração em Terceiro Setor - FIA, da USP e montamos o
MBA. E no futuro a gente sonha em ter doutorado.
Suzana: Até escola infantil a gente já pensou
em desenvolver no IPÊ. Porque, afinal, queremos formar gente com uma
mentalidade de sustentabilidade, de valorização da natureza e das culturas
locais.
Essa ideia da educação infantil é bem
interessante, porque uma formação sobre a conservação da biodiversidade logo
nas primeiras fases da vida é muito importante.
Claudio: Sim. Tem uma parte do nosso
grupo que trabalha muito com o ensino formal, desenvolvendo projetos com as Secretarias
de Educação.
Suzana: Temos trabalhado muito com isso
no Pontal do Paranapanema. A Secretaria de Educação envolveu a educação
ambiental, integrando-a no currículo escolar. E em Nazaré a gente está
trabalhando fortemente com essa política de ensino formal.
No site de vocês diz que a missão do IPÊ é
“desenvolver e disseminar modelos inovadores de conservação da biodiversidade
que promovam benefícios socioeconômicos por meio de ciência, educação e
negócios sustentáveis”. Como a realização dessa missão é possível? Como
funciona a metodologia e as estratégias utilizadas pelo instituto?
Claudio: Há uns anos atrás estávamos
num evento internacional e eu fui desafiado a falar o que eu achava que o IPÊ
fazia de inovador. Foi nesse momento que parei para pensar o que tinha de
diferente nas ações que nós promovíamos. Aí, fui andando para trás no meu
pensamento, refletindo sobre o que nós já tínhamos feito.
Assim, desenhei um
modelo institucional que posteriormente nós oficializamos. Toda essa reflexão
foi importante porque nós iniciamos o trabalho do IPÊ com a conservação da
biodiversidade; porém, comecei a pensar que somente isso não era suficiente,
pois, afinal, nós tínhamos que fazer algo pelas pessoas que estavam envolvidas
com esse projeto de conservação. Com isso, começamos a trabalhar com educação
ambiental.
Mas, aí,
descobrimos que ainda assim o assunto envolvia atividades econômicas, já que as
pessoas possuem necessidades básicas. Então, começamos a desenvolver atividades
econômicas sustentáveis. Passamos a olhar para a paisagem junto com as
comunidades, planejando a região. Porém, ainda assim, não era suficiente. Finalmente,
tentamos influenciar a formulação de algumas políticas públicas (porque certas
coisas somente o governo pode fazer), com o objetivo de potencializar a nossa
ação local também.
Suzana: Um exemplo dessas ações é o
mapa dos sonhos, que é um planejamento regional em que nós realizamos um
estudo, com base na ciência, para ver, por exemplo, onde é necessário plantar
um corredor de mata para proteger as espécies e a água de um determinado local.
Claudio: No fundo, o mapa dos sonhos
busca dizer como é que podemos combinar atividades econômicas com a
sustentabilidade. O governo nos pediu esse projeto e está trabalhando conosco
para transformar isso numa política pública para todo o estado de São Paulo.
Suzana: E os nossos projetos de
negócios sustentáveis surgiram em 2002, quando fizemos a nossa primeira
parceria com o setor privado. Na verdade, nós sempre quisemos ter parceiras com
o setor privado, mas não sabíamos como. O nosso primeiro parceiro foi o grupo
Martins, de Uberlândia. Eles nos ajudaram a comprar o barco-escola na Amazônia.
E, com essa parceria, abriu-se uma porta para o mundo empresarial que nos era
muito distante. Nós tínhamos sempre como parceiros o mundo acadêmico e outras
ONGs. E às vezes o governo, com raras exceções. Porém, o Juscelino Martins, do
grupo Martins, nos ajudou a abrir outras portas.
As Havaianas IPÊ é um exemplo
dessa atuação do IPÊ no mundo empresarial. Essa parceria foi um caso de sucesso
de marketing relacionado à nossa causa, já que todo mundo ganhou: as Havaianas,
porque participa de uma ação de responsabilidade socioambiental de maneira
criativa e inovadora; e o IPÊ, que ganha financeiramente - 7% do que é arrecadado
com a venda da coleção - e contribui para disseminar a biodiversidade
brasileira de forma educativa para um público absolutamente amplo e
irrestrito, porque as Havaianas chegam, na verdade, no mundo inteiro. E, por
fim, a natureza também ganha, porque ações como essa atraem adeptos.
Temos outra parceira
com a Danone também. Com eles, estamos desenvolvendo um trabalho muito de vanguarda,
que é analisar o DNA da biodiversidade. Eles estão interessados em saber como a
fertilidade de solo, a água, o morango, o açúcar e outras coisas que eles usam
estarão daqui a dez anos. A questão central é: como é que eles podem manter a
produção numa qualidade igual ou melhor durante o passar do tempo? Estamos
ajudando nessa mesma linha a Nespresso também.
Claudio: Além disso, temos desenvolvido
alguns trabalhos com comunidades. Temos alguns projetos para as cadeias
produtivas das 5 mil pessoas com as quais a gente trabalha lá no Baixo Rio Negro.
Suzana: E a história desses projetos
com as comunidades começou quando a gente estava trabalhando lá no Pontal do
Paranapanema. Depois de algum tempo, o MST chegou maciçamente no local. Com
isso, nós percebemos a pobreza e o abandono enorme que ocorria ali. A gente
estava levantando verba para salvar o Mico, para reflorestar, e, ao mesmo
tempo, observávamos que as pessoas estavam com uma necessidade muito premente. E
foi aí que a gente começou a trabalhar com alternativas de renda para as
comunidades. Começamos a pensar: o que é que dá para fazer para que a natureza
e essas pessoas ganhem?
Iniciamos com o
reflorestamento, com viveiros de mudas comunitários. E também dávamos todo o
subsídio técnico para que algumas famílias pudessem trabalhar e vender as mudas
– inclusive para o IPÊ, que é o maior reflorestador do Pontal. Mas eles também
podem vender para quem eles quiserem.
Para as mulheres,
nós desenvolvemos projetos de artesanato. Na nossa loja virtual é possível comprar camisetas
com o Mico-Leão preto e outras espécies brasileiras, as buchas ecológicas em
formatos dos animais e outros produtos. Então, de maneira geral, pensamos em
alternativas para que as pessoas melhorem a qualidade de vida e a natureza seja
beneficiada.
E tem outro
projeto que nós estamos começando a desenvolver, que é de levar “chefs” para as
comunidades a fim de aprimorar a qualidade dos produtos. Já levamos dois chefs
para dar dicas de como desenvolver a culinária regional – e estamos com a ideia
de convidar mais dois. Assim, eu acho que tudo melhora. Já levamos o chef Felipe
Schaedler, do restaurante Banzeiro, e o chef Daniel Briand, um francês que mora
em Brasília. O Daniel falou para mim, quando voltou: “Olha, dá vontade de
fechar meu restaurante e só fazer isso. Porque isso é que está certo. Vocês
estão fazendo uma coisa que eu sinto que está melhorando a qualidade de vida
das pessoas de uma maneira muito forte”. É esse tipo de oportunidade que a
gente quer propiciar cada vez mais.
Atualmente vocês desenvolvem quantos
projetos, aproximadamente?
Claudio: Atuamos em cinco regiões e existem
áreas com vinte projetos e outras com um ou dois. Varia bastante.
Suzana: Isso sem considerar a parte de
educação, que é mais concentrada em Nazaré Paulista. Mas temos um mestrado no
sul da Bahia e já desenhamos alguns cursos em outros locais também (como na
Amazônia, por exemplo, onde demos mais de 20 cursos para gestores de áreas
protegidas junto com o WWF).
Atualmente, 3% do financiamento do IPÊ vêm
da venda de produtos – como os desenvolvidos pelas 12 famílias do projeto Costurando
o Futuro, por exemplo. Nesse contexto da comercialização, muitas
instituições e profissionais que trabalham com comunidades produtivas têm
relatado dificuldades na venda dos produtos. De modo geral, esse mesmo problema
também tem acontecido com os produtos do IPÊ?
Suzana: Sem dúvida alguma. Escoar
produto não é fácil. Atualmente os nossos canais de venda são o site, os
congressos e demais eventos que o IPÊ participa. Porém, a maioria das pessoas
que vai nesses eventos são conservacionistas, então a gente acaba só
contagiando a nós mesmos. Meu sonho era uma loja nos principais aeroportos para
produtos comunitários. E, assim como as Havaianas, quem sabe ter na Renner, Riachuelo
ou outro grande magazine, por exemplo, uma camiseta da biodiversidade
brasileira que mudasse a cada dois meses com uma espécie nova. Seria bom para o
IPÊ, para as lojas e para o público!
Claudio: E nós temos um trabalho muito
grande junto às comunidades nas questões de preço, prazo e qualidade. Afinal,
para entrar no mercado, mesmo que seja de uma forma singela, é necessário ter
alguma organização produtiva. Temos que trabalhar junto com as comunidades para
evoluir nesse rumo.
Suzana: Trabalhar com comunidade não é
fácil, mas é extremamente importante e compensador. Não dá para não ter. Mas
você tem que aprender como é que se faz isso de uma forma correta. O IPÊ ainda
está crescendo nesse processo. Temos muito a aprender. Agora, temos duas
pessoas que nos ajudam e muito com a questão do design dos produtos: a Ana
Maria Laet (RJ) e a Sarita Dal Pozzo
(SP). Nós temos muita sorte de contar com o apoio delas. Tudo o que elas fazem
possui um grande nível de qualidade.
E, atualmente, qual é o principal canal de
venda de vocês?
Suzana: Acredito que seja o site, mas
vendemos muito na sede do IPÊ por causa do grande movimento de pessoas que
passam por lá. Sempre há muitos cursos acontecendo, então as pessoas aproveitam
e compram alguns produtos também.
Claudio: Estamos pensando em abrir uma
loja em Manaus. Queremos testar novas possibilidades também.
Suzana: É, mas até isso é complicado.
Não é algo simples, porque além de mantermos o espaço, precisamos manter um bom
nível na escala de produção dos objetos.
Nos últimos anos nós vemos que as questões
do movimento ambientalista têm evoluído no debate nacional. Na opinião de
vocês, essa evolução observada até agora é um reflexo de um público que se
preocupa cada vez mais com a conservação ambiental e com um comércio ético,
solidário e sustentável?
Suzana: Na minha opinião, hoje em dia não
dá mais para fingir que o mundo não necessita de preocupação. Quando a gente
começou há trinta anos, nossas famílias achavam que nós estávamos indo para um
rumo de moda, que era algo excêntrico e passageiro. Atualmente quase ninguém
mais fala isso. Não há mais esse espaço, porque está evidente que essa questão
precisa ser tratada com seriedade. Não dá mais para falar que quem precisa se envolver
com o meio ambiente é só o professor, é só o cientista ou é só o governo.
Considero que todos os cidadãos do planeta precisam estar preocupados com a sua
sobrevivência, com a sobrevivência das espécies e dos próprios processos
evolutivos naturais que hoje estão em perigo.
E a questão do
consumo consciente, na minha opinião, está mais forte na Europa do que no
Brasil. Nós algumas vezes vamos para lá e vemos casos como a BIO, na França,
por exemplo.
Claudio: Eu vejo uma preocupação crescente
com a questão da saúde também.
Suzana: Sim, exatamente. Porque a gente
está sendo envenenado o tempo todo. Achamos que estamos comendo um produto
sadio, mas no fundo ele não é. Recentemente eu assisti um vídeo na internet,
uma entrevista, onde uma mulher fala de como que o marketing rotula algumas
coisas para que elas pareçam belas. Eu sou vegetariana, então me senti um pouco
mais tranquila, mas nas fazendas atuais, por exemplo, a porca fica dentro de
uma gaiola que não tem espaço para ela se mexer e os porquinhos ficam do lado
de fora, separados da mãe. Esse tipo de processo antiético tem que ser
divulgado, mas é vendido como criação moderna e limpa. Aquela porca estava
infeliz ali. Com certeza aquilo não pode te fazer bem. Isso é um exemplo de
milhares de coisas. Existe a questão dos agrotóxicos também, que são usados de
forma excessiva.
Claudio: Porém, atualmente nós progredimos
muito. Tem uma nova geração muito mais consciente. Mas ainda tem muito coisa a se
fazer. Estou tentando me envolver um pouco mais com a economia nos últimos
anos, para pensar em meios de como o próprio sistema pode trazer alternativas
sustentáveis.
Suzana: Isso é muito importante porque,
afinal, a economia é o que rege o planeta e a sociedade. Se a gente não
conseguir atingir o mundo econômico, vai ser difícil introduzir grandes
mudanças.
O termo sustentável tem sido utilizado em
larga escala e, muitas vezes, sem critério. Muitos afirmam que, por conta
disso, esse termo já está desgastado, esvaziado de significado, sem que
tenhamos conseguido atingir uma produção realmente sustentável. Então, para
vocês e para o IPÊ, o que é sustentabilidade? Como vocês enxergam a
sustentabilidade no real sentido do termo?
Claudio: Eu sou um seguidor da economia
ecológica. E o que essa área vem pregando é que precisamos formar uma sociedade
mais equilibrada. Então, isso significa que nós temos que construir um tamanho
de economia e não crescer mais. A ideia central é: parar de crescer e operar
dentro de um determinado tamanho. Isso é uma coisa difícil, mas acho que vale a
pena a gente buscar esse processo estacionário da economia e que ela circule
entre os diversos países.
Além disso, sou
seguidor do John Elkington, a pessoa que cunhou o termo do Triple Bottom Line (Tripé da
Sustentabilidade). Então, acredito que nós devemos olhar para o social,
para o ambiental e para o econômico. Porém, vem acontecendo algo recentemente
que é preocupante. Um dia eu perguntei para o Zé Augusto, meu irmão, que é
historiador da área ambiental: “O que é desenvolvimento sustentável?” Ele falou:
“O pessoal diz aí que é a mesma coisa que o desenvolvimento econômico comum, só
que com um novo diretor de marketing”. Infelizmente, tem muita sustentabilidade
desse tipo por aí. Mas tem algumas experiências bem interessantes, em
compensação.
Para melhorarmos
esse quadro geral, precisamos de um esforço geral e global. Nós, como
humanidade, precisamos tomar decisões altruísticas e de consenso geral para todos.
E isso é muito difícil, porque nós crescemos dentro da diversidade, da
valorização de criação de fronteiras entre países, de fronteiras entre cidades,
de fronteiras entre pessoas. Porém, agora, a própria evolução do mundo está
lidando com o dilema de ter que tomar decisões de grande porte, de consenso
humanitário e que sejam altruísticas, principalmente.
Suzana: Mas, infelizmente, a gente não
está vendo isso. O que a gente vê é a concentração de renda cada vez maior –
não só no Brasil, mas em todo mundo. Atualmente, 1% da população controla, mais
ou menos, 70% da economia. Isso é uma barbaridade. E ninguém está a fim de
abrir mão.
Quando falamos
de altruísmo, talvez essa seja a palavra mais complicada. O propósito não é abrir
mão da sua riqueza; é abrir mão em favor de algo que é maior do que você: a
vida. Uma celebração da própria vida. Um propósito de proteger a vida. É toda
uma nova maneira de ver o mundo. É uma mudança paradigmática mesmo, para usar
as expressões da moda. Mas que é verdade. A gente precisa ter uma mudança muito
mais profunda na forma como enxergamos o mundo e no modo como agimos.
E o que poderia ser destacado como a
principal dificuldade do trabalho do IPÊ? Quais são os próximos projetos previstos?
Suzana: O nosso grande sonho é aumentar
a escola, porque essa é nossa principal maneira de envolver mais pessoas no
processo.
Claudio: Nesse momento estamos nos preparando
para a construção de um novo campus. Já
temos o projeto da construção e agora estamos captando recursos.
Suzana: Exatamente. E, falando nisso, acho
que na vida de uma ONG, de uma OSIP, ou de qualquer organização sem fins
lucrativos, o grande desafio é a captação de recursos. É sempre uma saga. A
gente precisa aprender a ser muito bom nisso, a ser criativo, a mostrar o
trabalho que a gente faz de uma maneira inovadora para atrair mais interessados
em apoiar os nossos sonhos.
Claudio: E, depois, a questão da
cultura institucional é sempre um desafio também. Queremos evoluir e crescer,
mas mantendo uma cultura institucional estável. Crescer sem perder a ternura e
os propósitos que nos inspiraram no início, ou outros que surgiram no caminho.